Blog do Professor César Renato


Depois de algum tempo inativo, e pela disposição e necessidade de estabelecer novamente um canal de comunicação com meus interlocutores externos, este blog volta ao ar.
Nele pretendo, dentro do possível, semanalmente discorrer sobre algumas questões que julgo importantes e que percorrem minhas comunidades em alguma medida, tanto no micro-espaço que me situo, quanto no macro-espaço social onde estamos todos.
Quem pretendo alcançar são aqueles que estou mais perto, como família, especialmente meus filhos, amigos, alunos e colegas em geral. Minhas colocações buscam alcançar meu ponto de vista sobre temas que acredito serem pertinentes a discussão.

sábado, junho 28, 2014

Os verdadeiros personagens da Copa do Mundo, e do Mundo sem Copa! #paoecirco

Nesse momento, começa mais um jogo do Brasil na Copa do Mundo da Fifa 2014. Apesar de ser um apaixonado por futebol e sentir em mim um profundo sentimento de brasilidade, desligo a TV, e com uma angústia enorme, passo a escrever isso. Mas porque droga então eu não fecho meu note e vou lá assistir a tal da Copa do Mundo Fifa?
Antes de justificar isso, vou mais uma vez deixar claro! Mais importante que o futebol em minha vida, são meus filhos, meus alunos, meus familiares, todos os que estão próximos de mim. Daqui a pouco espero que se justifique essa minha introdução.
Agora, a resposta da pergunta que finaliza o primeiro parágrafo! A paixão pelo futebol e o sentimento de brasilidade que citei ali, são sentimentos legítimos, em centenas de milhares de pessoas, milhões delas. O problema, é que aquela indústria de cultura de massa, que citei em outras reflexões, utiliza estes sentimentos para produzir efeito a seus principais objetivos, (1) cooptar cidadãos para o fortalecimento das organizações financeiras, a partir da entrega incondicional de sua força de trabalho, e (2) o estabelecimento das condições de consumo nesses mesmos cidadãos, a fim de garantir o lucro e a acumulação crescente de capital.
A Copa do Mundo da Fifa, é um produto que se encarrega dessa cooptação, de forma intensiva e incondicional. Veja como há nesse momento um verdadeiro transe coletivo, em que a consciência das pessoas é atropelada por alucinações espetaculosas. Bancos exaltam a força de uma nação, sem lógico citar que apesar dessa força, seus lucros infindáveis jamais serão divididos entre eles; indústrias automobilísticas garantem que vão levar a todos para os espetáculos promovidos pelo futebol, sem evidentemente citar que nem todos podem ir, já que muitos são demitidos em tempos de constantes crises na economia dos bens de consumo; refrigerantes prometem o sonho infinito do prazer pelo futebol, sem contudo nos fazer entender porque a cada tempo, buscam promover o seu próprio crescimento em rumo ao infinito!
Esse estado de coisas, que promove o transe coletivo, cria personagens que merecem ser descritos aqui. Nesse mundo que promove a grandeza das organizações econômicas, cada vês mais poderosas; a fundação de um Estado burocrático, que institucionaliza e legaliza o acúmulo de capital das elites, cria também estereótipos na grande maioria dos cidadãos envolvidos, construindo na minha opinião, três situações humanas distintas: os alienados, os estranhados e os alijados!
Os alienados são uma massa inacreditavelmente grande de pessoas, que sustentam o mundo do trabalho e garantem o consumo de produtos oferecidos pelas organizações econômicas em todo mundo. Ao longo de séculos e séculos, a estes cidadãos foram impostas condições de vida, pela limitação de sua força de investimento e pela promessa de que poderiam alcançar o topo de uma pirâmide econômica. A eles restou, frente a essa dominação, vender sua força de trabalho, fragmentada de conhecimentos, limitada em horários de lazer e convívio familiar e transferindo-lhes renda apenas suficiente para a sobrevivência e o consumo. O mundo do trabalho alienou esses cidadãos, dando a eles a impressão que este é o único caminho capaz de conduzir ao convívio em sociedade.
Querem o exemplo de um cidadão alienado? Lembram-se de um episódio, a cerca de duas semanas atrás, onde um Pai foi retirar seu filho de uma manifestação contra a Copa do Mundo da Fifa, na Zona leste de São Paulo, onde haveria um dos jogos da primeira fase?
Aquele Pai, identificado por canais de televisão como herói da proteção a família, em ato de desespero e honra, retirou o seu filho do meio dos manifestantes dizendo: Você é meu filho - aqui você não fica porque eu não quero - eu te sustento com o meu trabalho - e enquanto você não trabalhar é eu que mando na sua vida – quer se manifestar, vá primeiro ter o seu trabalho! Pois bem ... este pai está errado, por pressionar o seu filho a partir da dominação tradicional da família? Claro que não está! Durante toda a sua vida, a vida de seus pais, avós e todas demais gerações anteriores de sua família, ele aprendeu que o sujeito só merece a dignidade da cidadania e da liberdade, se cumprir o seu papel no mundo do trabalho. O resto, foi por Amor de pai! Foi por preocupação deste sujeito, com a integridade física de seu menino infante, de 14 anos, que só soube dizer: Faço isso porque eu quero escola!
O Alienado é um prisioneiro do sistema, sua jaula se consolida nas grades de ferro do trabalho e no mundo fantasioso que a indústria da comunicação de massa oferece a ele, nos poucos momentos em que não está se preparando para o trabalho! Consome! A folga dos trabalhadores, para assistir as partidas de futebol, atira esses sujeitos diretamente dentro desse mundo de ilusão e fantasia! Por conta, em nosso caso, da nossa paixão pelo futebol e pelo que conhecemos como “brasilidade”!
Há contudo os estranhados. São cidadãos que por algum motivo, político, ético ou de desorientação mental, não se deixam alienar totalmente, e que por conta disso, sentem uma sensação estranha, desagradável, inconsistente com relação ao mundo em que vivem. Quando os motivos são políticos, elementos relacionados a um discurso distinto do dominante, prevalecem no potencial cognitivo dos estranhados. Ideologias, visões de mundo em sociedade e grupos de interesse distintos, são assimilados de forma diferente da grande massa, que contribui com o sistema dominante, fazendo com que esses sujeitos se sintam “fora da casinha”. É assim mesmo, muitos deles são considerados sujeitos antissociais , promotores da desordem, baderneiros, vândalos.
Um exemplo radical desses personagens, são alguns jovens brasileiros chamados atualmente de “Black Blocs”. Já ouviram falar? Que acham da forma como se nomeiam? Pois bem. Sabe quem construiu esse termo? Um juiz federal da Alemanha, que criou o personagem para acusar jovens opositores do sistema de governo naquele país, potência econômica mundial, que se rebelaram à época contra o estado de coisas que as organizações econômicas e o Estado promoviam contra a sociedade. Hoje esses jovens, de origem política orientada pelo movimento anarquista da Europa do Século XVIII, que lutava contra a apropriação das propriedades campesinas pela burguesia capitalista, são violentamente reprimidos pela polícia e pelas forças Estatais. Seu movimentos são criminalizados e, não raro, são acusados de depredar patrimônio, perturbar a ordem pública, e até crimes mais graves, como por exemplo a morte recente de um jornalista, que trabalhava na cobertura de um movimento em que participavam. Entendem porque esses sujeitos se sentem estranhados com relação ao que a sociedade reflete na atualidade? Nem preciso citar o desconforto ético e mental que esses sujeitos tem, perante essa condição clara de injustiça e de loucura!
Pois bem, estes dois primeiros personagens são antagônicos, parece que um é o anti-herói do outro. Sujeitos alienados acusam aos estranhados de perturbar a ordem, de serem condutores de manifestações de esquerda, de desocupados, de vagabundos. Enquanto os estranhados tratam alienados como elite, massa de manobra das organizações, marionetes nas mãos das organizações e no julgo do Estado que reprime e controla pela burocracia. Quem está certo? Quem está errado?
Pessoalmente acredito que meu lado alienado, me condena por participar desse estado de coisas, e todos os dias lutar de modo individual e egoísta para garantir a minha própria sobrevivência e dos que estão sob minha responsabilidade. Já meu lado estranhado, me condena por lutar de modo inconsistente por uma transformação da sociedade, como por exemplo, quando faço campanha pelo voto nulo nas eleições nacionais. Eu, alienado e estranhado, acho que ajo errado quando me manifesto em qualquer um dos personagens! Vivo todos os dias buscando o lado certo dessa berlinda, em que a opressão nos coloca e certamente nos fuzila de alguma forma.
Mas o personagem mais massacrado dentre esses três, é o terceiro que citei. O Alijado. Uma massa cada vez maior de pessoas, que por falta de condições de vender sua força de trabalho e de consumir o que se produz, é colocado a margem da sociedade, em uma posição que convencionou-se chamar “abaixo da linha de pobreza”. Populações inteiras em países subdesenvolvidos, jovens e adultos residentes fora dos eixos urbanos de consumo e produção, e outros milhares, vivendo nas metrópoles, que não reúnem condições dignas de alimentação, saúde e habitação. Esses sujeitos alijados, morrem oprimidos, sufocados, mesmo vivos, nas condições de miséria que lhes é imposta!
Porque me posicionei dessa forma, NÃO assistindo os jogos do Brasil na Copa do Mundo da Fifa? Porque uma angústia, ao pensar nas pessoas que estão próximas de mim, fazem manifestar-me assim! Meu lado estranhado, me diz que tenho que refletir sobre isso tudo, com meus filhos, meus alunos, todos os meus. Suo frio nesse momento, um vazio toma minha consciência, um inconsolável frio na barriga me diz, não se aliene! - Não posso calar, sentar em frente a TV, comer pipoca e tomar refrigerante (que é o que faço quando assisto futebol) e vibrar com esse evento da Fifa, uma organização econômica, que não está preocupada com nossa emoção, com a luta contra o racismo, ou contra a magia do futebol, e sim com seu exagerado lucro, em detrimento de tudo o que acontece ao redor do mundo! Minha paixão pelo futebol não sobrepõe minha responsabilidade coletiva e minha brasilidade é menor do que minha pretensa humanidade, nesse momento!

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