Nesse
momento, começa mais um jogo do Brasil na Copa do Mundo da Fifa 2014. Apesar de
ser um apaixonado por futebol e sentir em mim um profundo sentimento de
brasilidade, desligo a TV, e com uma angústia enorme, passo a escrever isso.
Mas porque droga então eu não fecho meu note e vou lá assistir a tal da Copa do
Mundo Fifa?
Antes de
justificar isso, vou mais uma vez deixar claro! Mais importante que o futebol
em minha vida, são meus filhos, meus alunos, meus familiares, todos os que
estão próximos de mim. Daqui a pouco espero que se justifique essa minha
introdução.
Agora, a
resposta da pergunta que finaliza o primeiro parágrafo! A paixão pelo futebol e
o sentimento de brasilidade que citei ali, são sentimentos legítimos, em
centenas de milhares de pessoas, milhões delas. O problema, é que aquela
indústria de cultura de massa, que citei em outras reflexões, utiliza estes
sentimentos para produzir efeito a seus principais objetivos, (1) cooptar cidadãos
para o fortalecimento das organizações financeiras, a partir da entrega
incondicional de sua força de trabalho, e (2) o estabelecimento das condições de consumo
nesses mesmos cidadãos, a fim de garantir o lucro e a acumulação crescente de
capital.
A Copa do
Mundo da Fifa, é um produto que se encarrega dessa cooptação, de forma
intensiva e incondicional. Veja como há nesse momento um verdadeiro transe
coletivo, em que a consciência das pessoas é atropelada por alucinações
espetaculosas. Bancos exaltam a força de uma nação, sem lógico citar que apesar
dessa força, seus lucros infindáveis jamais serão divididos entre eles;
indústrias automobilísticas garantem que vão levar a todos para os espetáculos
promovidos pelo futebol, sem evidentemente citar que nem todos podem ir, já que
muitos são demitidos em tempos de constantes crises na economia dos bens de consumo;
refrigerantes prometem o sonho infinito do prazer pelo futebol, sem contudo nos
fazer entender porque a cada tempo, buscam promover o seu próprio crescimento em
rumo ao infinito!
Esse estado
de coisas, que promove o transe coletivo, cria personagens que merecem ser
descritos aqui. Nesse mundo que promove a grandeza das organizações econômicas, cada vês mais poderosas; a fundação de um Estado burocrático, que institucionaliza e legaliza o acúmulo
de capital das elites, cria também estereótipos na grande maioria dos cidadãos
envolvidos, construindo na minha opinião, três situações humanas distintas: os
alienados, os estranhados e os alijados!
Os
alienados são uma massa inacreditavelmente grande de pessoas, que sustentam o
mundo do trabalho e garantem o consumo de produtos oferecidos pelas
organizações econômicas em todo mundo. Ao longo de séculos e séculos, a estes
cidadãos foram impostas condições de vida, pela limitação de sua força de investimento
e pela promessa de que poderiam alcançar o topo de uma pirâmide econômica. A
eles restou, frente a essa dominação, vender sua força de trabalho, fragmentada
de conhecimentos, limitada em horários de lazer e convívio familiar e
transferindo-lhes renda apenas suficiente para a sobrevivência e o consumo. O
mundo do trabalho alienou esses cidadãos, dando a eles a impressão que este é o
único caminho capaz de conduzir ao convívio em sociedade.
Querem o
exemplo de um cidadão alienado? Lembram-se de um episódio, a cerca de duas
semanas atrás, onde um Pai foi retirar seu filho de uma manifestação contra a
Copa do Mundo da Fifa, na Zona leste de São Paulo, onde haveria um dos jogos da
primeira fase?
Aquele Pai,
identificado por canais de televisão como herói da proteção a família, em ato
de desespero e honra, retirou o seu filho do meio dos manifestantes dizendo:
Você é meu filho - aqui você não fica porque eu não quero - eu te sustento com
o meu trabalho - e enquanto você não trabalhar é eu que mando na sua vida –
quer se manifestar, vá primeiro ter o seu trabalho! Pois bem ... este pai está
errado, por pressionar o seu filho a partir da dominação tradicional da
família? Claro que não está! Durante toda a sua vida, a vida de seus pais, avós
e todas demais gerações anteriores de sua família, ele aprendeu que o sujeito
só merece a dignidade da cidadania e da liberdade, se cumprir o seu papel no
mundo do trabalho. O resto, foi por Amor de pai! Foi por preocupação deste
sujeito, com a integridade física de seu menino infante, de 14 anos, que só
soube dizer: Faço isso porque eu quero escola!
O Alienado
é um prisioneiro do sistema, sua jaula se consolida nas grades de ferro do
trabalho e no mundo fantasioso que a indústria da comunicação de massa oferece
a ele, nos poucos momentos em que não está se preparando para o trabalho! Consome! A
folga dos trabalhadores, para assistir as partidas de futebol, atira esses
sujeitos diretamente dentro desse mundo de ilusão e fantasia! Por conta, em
nosso caso, da nossa paixão pelo futebol e pelo que conhecemos como
“brasilidade”!
Há contudo
os estranhados. São cidadãos que por algum motivo, político, ético ou de
desorientação mental, não se deixam alienar totalmente, e que por conta disso,
sentem uma sensação estranha, desagradável, inconsistente com relação ao
mundo em que vivem. Quando os motivos são políticos, elementos relacionados a
um discurso distinto do dominante, prevalecem no potencial cognitivo dos
estranhados. Ideologias, visões de mundo em sociedade e grupos de interesse distintos, são assimilados de forma diferente da grande massa, que contribui com o sistema
dominante, fazendo com que esses sujeitos se sintam “fora da casinha”. É assim
mesmo, muitos deles são considerados sujeitos antissociais , promotores da
desordem, baderneiros, vândalos.
Um exemplo
radical desses personagens, são alguns jovens brasileiros chamados atualmente
de “Black Blocs”. Já ouviram falar? Que acham da forma como se nomeiam? Pois
bem. Sabe quem construiu esse termo? Um juiz federal da Alemanha, que criou o
personagem para acusar jovens opositores do sistema de governo naquele país,
potência econômica mundial, que se rebelaram à época contra o estado de coisas
que as organizações econômicas e o Estado promoviam contra a sociedade. Hoje
esses jovens, de origem política orientada pelo movimento anarquista da Europa
do Século XVIII, que lutava contra a apropriação das propriedades campesinas
pela burguesia capitalista, são violentamente reprimidos pela polícia e pelas
forças Estatais. Seu movimentos são criminalizados e, não raro, são acusados de
depredar patrimônio, perturbar a ordem pública, e até crimes mais graves, como
por exemplo a morte recente de um jornalista, que trabalhava na cobertura de um
movimento em que participavam. Entendem porque esses sujeitos se sentem
estranhados com relação ao que a sociedade reflete na atualidade? Nem preciso citar o desconforto ético e mental que esses sujeitos tem, perante essa condição clara de injustiça e de loucura!
Pois bem,
estes dois primeiros personagens são antagônicos, parece que um é o anti-herói
do outro. Sujeitos alienados acusam aos estranhados de perturbar a ordem, de serem condutores de manifestações de esquerda, de desocupados, de vagabundos. Enquanto os
estranhados tratam alienados como elite, massa de manobra das organizações,
marionetes nas mãos das organizações e no julgo do Estado que reprime e controla pela burocracia. Quem está
certo? Quem está errado?
Pessoalmente
acredito que meu lado alienado, me condena por participar desse estado de
coisas, e todos os dias lutar de modo individual e egoísta para garantir a
minha própria sobrevivência e dos que estão sob minha responsabilidade. Já meu
lado estranhado, me condena por lutar de modo inconsistente por uma
transformação da sociedade, como por exemplo, quando faço campanha pelo voto nulo nas eleições
nacionais. Eu, alienado e estranhado, acho que ajo errado quando me manifesto
em qualquer um dos personagens! Vivo todos os dias buscando o lado certo dessa
berlinda, em que a opressão nos coloca e certamente nos fuzila de alguma forma.
Mas o
personagem mais massacrado dentre esses três, é o terceiro que citei. O
Alijado. Uma massa cada vez maior de pessoas, que por falta de condições de
vender sua força de trabalho e de consumir o que se produz, é colocado a margem
da sociedade, em uma posição que convencionou-se chamar “abaixo da linha de
pobreza”. Populações inteiras em países subdesenvolvidos, jovens e adultos
residentes fora dos eixos urbanos de consumo e produção, e outros milhares,
vivendo nas metrópoles, que não reúnem condições dignas de alimentação, saúde e
habitação. Esses sujeitos alijados, morrem oprimidos, sufocados, mesmo vivos, nas
condições de miséria que lhes é imposta!
Porque me posicionei dessa forma, NÃO assistindo
os jogos do Brasil na Copa do Mundo da Fifa? Porque uma angústia, ao pensar nas
pessoas que estão próximas de mim, fazem manifestar-me assim! Meu lado
estranhado, me diz que tenho que refletir sobre isso tudo, com meus filhos,
meus alunos, todos os meus. Suo frio nesse momento, um vazio toma minha
consciência, um inconsolável frio na barriga me diz, não se aliene! - Não posso calar, sentar
em frente a TV, comer pipoca e tomar refrigerante (que é o que faço quando
assisto futebol) e vibrar com esse evento da Fifa, uma organização econômica,
que não está preocupada com nossa emoção, com a luta contra o racismo, ou
contra a magia do futebol, e sim com seu exagerado lucro, em detrimento de tudo
o que acontece ao redor do mundo! Minha paixão pelo futebol não sobrepõe minha
responsabilidade coletiva e minha brasilidade é menor do que minha pretensa
humanidade, nesse momento!
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