Nesse
momento, em que deve ter começado mais um jogo da Seleção Brasileira na Copa do
Mundo no Brasil, quero refletir sobre cultura, e a partir dela expressar minha
opinião sobre a atualidade e as circunstâncias em que vivemos. O Futebol é um
dos elementos mais sacros da cultura brasileira, dele e por ele definiram-se
muitos de nossos instrumentos e artefatos culturais. Musicas, arquitetura,
artes plásticas, literatura, cinema, comportamento ... isso se consolidou de
maneira tão efetiva que hoje faz parte de nossa tradição. Será mesmo?
Quando
falo de tradição, me refiro a uma construção histórica que estabelece costumes
que vem do passado e com essa marca são transmitidos e conservados. A nossa
tradição futebolística se refere à bola de meia, às peladas na várzea, à folha
seca, aos Manés e Pelés, que da humilde
e microscópica partida no “campinho” se projetavam direto para a emoção
de cada um de nós.
Agora
me pergunto, se investigarmos sobre esses termos que acabei de expor a um jovem
de trinta anos ou menos, alguém acha que eles saberão o que é isso? Alguém acha
que para a esmagadora maioria dos jovens, que são hoje apaixonados por futebol,
essas expressões fazem algum sentido? Definitivamente não!
Essa
cultura tradicional a que me referi, não existe mais, o que existe agora e que
cada vez se consolida mais na estrutura cultural das pessoas em todo o mundo, é
uma outra forma de cultura, a “cultura de massas”. Nela os termos referentes
para o futebol são R9, CR9, NJR, Soccer, Fifa Championship, linha de quatro,
Fifa Fair Play, e também “etecetera”! Todos esses termos foram colocados em um
liquidificador e homogeneizados, depois disso entregues às mentes de todos nós,
especialmente os que gostam e se emocionam com o futebol. E porque isso? Porque
essa emoção que temos, nos sugere desejos e esses desejos nos serão fornecidos
cada vez mais intensivamente, a custa de três acontecimentos
extraordinariamente envolventes no mundo moderno: o consumo, o lucro e a
alienação!
Para falar
dessa transposição da “cultura tradicional” para “cultura de massa” preciso
conduzir minha reflexão a uma viagem no tempo. Quando isso tudo começou? Porque
começou? E quem começou?
Ha cerca de
quatrocentos anos atrás extinguia-se uma forma de atendermos nossas
necessidades e nascia outra. Houve uma mudança no modo de produção das coisas e
alterou-se significativamente o valor que essas coisas tinham para quem as
produzia e as consumia. No ocaso de uma cultura e no despertar de outra,
saíamos da “escuridão” do produzir para
nós mesmos, para nossas próprias necessidades, a partir de nossas próprias
sabedorias, onde as coisas tinham um único valor de uso, e nos projetávamos para
a “luminescência” do produzir para outros consumirem, para atender o desejo de
consumo de outras pessoas, a partir de sabedorias fragmentadas pela técnica,
pela administração, pela especialização e pela divisão do trabalho. A cultura
de massa condicionava os movimentos, e o valor das coisas era expresso pelo
interesse, onde a troca de um produto por capital era o ponto determinante na
produção de tudo.
Pois bem,
chego novamente a Copa do Mundo no Brasil, e me refiro a um dos produtos mais
eminentes para a acumulação de capital aos que o produzem. O FUTEBOL!
Milhares de
milhões de dólares estão relacionados a produção e ao consumo desse produto.
Milhões de pessoas estão inseridas nessa
díade econômica. Infinitas possibilidades de satisfação de desejos são
orientadas aos produtos, que tem sua origem na emoção provocada pela prática
deste esporte. Entre eles, os mais importantes são material esportivo, de modo
direto e, automóveis, bebidas, alimentos, viagens, filmes, televisão, rádio, entre
milhares de outros, de modo indireto.
Uma
indústria espetacular se movimenta para que todos esses produtos sejam
distribuídos e toda essa distribuição resulte em incontáveis somas de dinheiro.
Muito capital se acumula em razão desse negócio gigantesco. A indústria da
comunicação se articula das formas mais elaboradas e toda a máquina se volta
para a construção de uma cultura de massa, que favoreça a elaboração desse
fabuloso negócio!
Isso, de
certa forma é uma componente que faz funcionar a sociedade de maneira geral,
onde incontáveis estruturas sejam organizadas para movimentar essas
engrenagens. Nessa ordem social, o mundo deixa de existir para as pessoas e
passa a existir em função do capital gerado, e em função especialmente de um
objetivo. O Lucro!
Isso parece
bom, não é mesmo? Dado que tal lucro proporciona a todas as pessoas a
possibilidade de comprar, de ostentar, de acumular, não é verdade? NÃO, NÃO é
verdade!
Cada vez
fica mais evidente que todo esse lucro é dividido de maneira desigual. Estudos
recentes comprovam que a acumulação de capital se concentra em um número
diminuto de pessoas, e toda a grande maioria apenas obtém recursos para uma
sobrevivência restrita, baseada no consumo desenfreado de cada vez mais
produtos e, na total devoção dessa esmagadora maioria da sociedade, ao trabalho,
para obter esses produtos. E o que é mais aterrorizador, a medida que esse
sistema se consolida, se percebe que outros milhões de pessoas ficam alijadas
de um processo sanguinário de distribuição de renda. Há no mundo todo atualmente cerca de dois
bilhões e meio de pessoas que não participam desse organismo econômico, e por
essa ausência de possibilidades, passam fome, morrem por conta dela!
Porque a
maioria da sociedade aceita essa condição? A resposta está no terceiro elemento
dessa tríade - consumo, lucro, alienação.
A alienação.
Essa mesma indústria de comunicação que promove o consumo e favorece o lucro,
impõe a cultura do trabalho, informando intensivamente que só se chega ao paraíso do capital,
pelo esforço contínuo e pela via do trabalho. Dessa forma, o homem trabalhador se aliena de suas
origens, de sua tradição, de sua cultura e de seu conhecimento, e se entrega ao mundo do trabalho vendendo a ele o único meio que possui naturalmente, a sua força para o trabalho. Ele estuda para o trabalho, se move para o trabalho, habita para o
trabalho, ora pelo trabalho, se escraviza no trabalho, todo dia, todo ano, toda
vida!
A Copa do
Mundo no Brasil, nos mostra os personagens dessa realidade social, que interagem em confronto dialético interminável. De um lado as
organizações econômicas, como a Fifa, e de outro todo o resto do povo, que
trabalha para essas organizações. No meio desse convívio aparece o Estado, que
com suas leis, suas estruturas e sua condição institucional, ambienta o mundo
para as organizações, serve de maneira efetiva as organizações, posto que sem
elas, não há possibilidade de existência dessa sociedade, que todos nós criamos
e aceitamos nos últimos quatrocentos anos.
Lutar contra
essa realidade é tão utópico quanto a batalha quixotesca da espada frente aos
moinhos de vento, por isso a grande maioria de todos nós (me incluo nesse
conjunto) luta sem pensar, luta sem resistência, luta totalmente alienado a
qualquer outra possibilidade.
Como podemos continuar vivendo isso sem pensar
nisso? Nesse momento, por minha iniciativa pessoal e íntima, da forma que
encontrei, me manifesto. Cumprindo um
jejum que me impõe o sacrifício de abrir mão de algo que gosto muito, o
futebol. NÃO assisto os jogos do Brasil na Copa do Mundo. Isso fará a diferença
necessária para o mundo? Claro que não! Mas fará a diferença para mim! É a
parte que me coube, e não estaria tranquilo sem cumpri-la!
Nenhum comentário:
Postar um comentário