Blog do Professor César Renato


Depois de algum tempo inativo, e pela disposição e necessidade de estabelecer novamente um canal de comunicação com meus interlocutores externos, este blog volta ao ar.
Nele pretendo, dentro do possível, semanalmente discorrer sobre algumas questões que julgo importantes e que percorrem minhas comunidades em alguma medida, tanto no micro-espaço que me situo, quanto no macro-espaço social onde estamos todos.
Quem pretendo alcançar são aqueles que estou mais perto, como família, especialmente meus filhos, amigos, alunos e colegas em geral. Minhas colocações buscam alcançar meu ponto de vista sobre temas que acredito serem pertinentes a discussão.

sábado, junho 28, 2014

Os verdadeiros personagens da Copa do Mundo, e do Mundo sem Copa! #paoecirco

Nesse momento, começa mais um jogo do Brasil na Copa do Mundo da Fifa 2014. Apesar de ser um apaixonado por futebol e sentir em mim um profundo sentimento de brasilidade, desligo a TV, e com uma angústia enorme, passo a escrever isso. Mas porque droga então eu não fecho meu note e vou lá assistir a tal da Copa do Mundo Fifa?
Antes de justificar isso, vou mais uma vez deixar claro! Mais importante que o futebol em minha vida, são meus filhos, meus alunos, meus familiares, todos os que estão próximos de mim. Daqui a pouco espero que se justifique essa minha introdução.
Agora, a resposta da pergunta que finaliza o primeiro parágrafo! A paixão pelo futebol e o sentimento de brasilidade que citei ali, são sentimentos legítimos, em centenas de milhares de pessoas, milhões delas. O problema, é que aquela indústria de cultura de massa, que citei em outras reflexões, utiliza estes sentimentos para produzir efeito a seus principais objetivos, (1) cooptar cidadãos para o fortalecimento das organizações financeiras, a partir da entrega incondicional de sua força de trabalho, e (2) o estabelecimento das condições de consumo nesses mesmos cidadãos, a fim de garantir o lucro e a acumulação crescente de capital.
A Copa do Mundo da Fifa, é um produto que se encarrega dessa cooptação, de forma intensiva e incondicional. Veja como há nesse momento um verdadeiro transe coletivo, em que a consciência das pessoas é atropelada por alucinações espetaculosas. Bancos exaltam a força de uma nação, sem lógico citar que apesar dessa força, seus lucros infindáveis jamais serão divididos entre eles; indústrias automobilísticas garantem que vão levar a todos para os espetáculos promovidos pelo futebol, sem evidentemente citar que nem todos podem ir, já que muitos são demitidos em tempos de constantes crises na economia dos bens de consumo; refrigerantes prometem o sonho infinito do prazer pelo futebol, sem contudo nos fazer entender porque a cada tempo, buscam promover o seu próprio crescimento em rumo ao infinito!
Esse estado de coisas, que promove o transe coletivo, cria personagens que merecem ser descritos aqui. Nesse mundo que promove a grandeza das organizações econômicas, cada vês mais poderosas; a fundação de um Estado burocrático, que institucionaliza e legaliza o acúmulo de capital das elites, cria também estereótipos na grande maioria dos cidadãos envolvidos, construindo na minha opinião, três situações humanas distintas: os alienados, os estranhados e os alijados!
Os alienados são uma massa inacreditavelmente grande de pessoas, que sustentam o mundo do trabalho e garantem o consumo de produtos oferecidos pelas organizações econômicas em todo mundo. Ao longo de séculos e séculos, a estes cidadãos foram impostas condições de vida, pela limitação de sua força de investimento e pela promessa de que poderiam alcançar o topo de uma pirâmide econômica. A eles restou, frente a essa dominação, vender sua força de trabalho, fragmentada de conhecimentos, limitada em horários de lazer e convívio familiar e transferindo-lhes renda apenas suficiente para a sobrevivência e o consumo. O mundo do trabalho alienou esses cidadãos, dando a eles a impressão que este é o único caminho capaz de conduzir ao convívio em sociedade.
Querem o exemplo de um cidadão alienado? Lembram-se de um episódio, a cerca de duas semanas atrás, onde um Pai foi retirar seu filho de uma manifestação contra a Copa do Mundo da Fifa, na Zona leste de São Paulo, onde haveria um dos jogos da primeira fase?
Aquele Pai, identificado por canais de televisão como herói da proteção a família, em ato de desespero e honra, retirou o seu filho do meio dos manifestantes dizendo: Você é meu filho - aqui você não fica porque eu não quero - eu te sustento com o meu trabalho - e enquanto você não trabalhar é eu que mando na sua vida – quer se manifestar, vá primeiro ter o seu trabalho! Pois bem ... este pai está errado, por pressionar o seu filho a partir da dominação tradicional da família? Claro que não está! Durante toda a sua vida, a vida de seus pais, avós e todas demais gerações anteriores de sua família, ele aprendeu que o sujeito só merece a dignidade da cidadania e da liberdade, se cumprir o seu papel no mundo do trabalho. O resto, foi por Amor de pai! Foi por preocupação deste sujeito, com a integridade física de seu menino infante, de 14 anos, que só soube dizer: Faço isso porque eu quero escola!
O Alienado é um prisioneiro do sistema, sua jaula se consolida nas grades de ferro do trabalho e no mundo fantasioso que a indústria da comunicação de massa oferece a ele, nos poucos momentos em que não está se preparando para o trabalho! Consome! A folga dos trabalhadores, para assistir as partidas de futebol, atira esses sujeitos diretamente dentro desse mundo de ilusão e fantasia! Por conta, em nosso caso, da nossa paixão pelo futebol e pelo que conhecemos como “brasilidade”!
Há contudo os estranhados. São cidadãos que por algum motivo, político, ético ou de desorientação mental, não se deixam alienar totalmente, e que por conta disso, sentem uma sensação estranha, desagradável, inconsistente com relação ao mundo em que vivem. Quando os motivos são políticos, elementos relacionados a um discurso distinto do dominante, prevalecem no potencial cognitivo dos estranhados. Ideologias, visões de mundo em sociedade e grupos de interesse distintos, são assimilados de forma diferente da grande massa, que contribui com o sistema dominante, fazendo com que esses sujeitos se sintam “fora da casinha”. É assim mesmo, muitos deles são considerados sujeitos antissociais , promotores da desordem, baderneiros, vândalos.
Um exemplo radical desses personagens, são alguns jovens brasileiros chamados atualmente de “Black Blocs”. Já ouviram falar? Que acham da forma como se nomeiam? Pois bem. Sabe quem construiu esse termo? Um juiz federal da Alemanha, que criou o personagem para acusar jovens opositores do sistema de governo naquele país, potência econômica mundial, que se rebelaram à época contra o estado de coisas que as organizações econômicas e o Estado promoviam contra a sociedade. Hoje esses jovens, de origem política orientada pelo movimento anarquista da Europa do Século XVIII, que lutava contra a apropriação das propriedades campesinas pela burguesia capitalista, são violentamente reprimidos pela polícia e pelas forças Estatais. Seu movimentos são criminalizados e, não raro, são acusados de depredar patrimônio, perturbar a ordem pública, e até crimes mais graves, como por exemplo a morte recente de um jornalista, que trabalhava na cobertura de um movimento em que participavam. Entendem porque esses sujeitos se sentem estranhados com relação ao que a sociedade reflete na atualidade? Nem preciso citar o desconforto ético e mental que esses sujeitos tem, perante essa condição clara de injustiça e de loucura!
Pois bem, estes dois primeiros personagens são antagônicos, parece que um é o anti-herói do outro. Sujeitos alienados acusam aos estranhados de perturbar a ordem, de serem condutores de manifestações de esquerda, de desocupados, de vagabundos. Enquanto os estranhados tratam alienados como elite, massa de manobra das organizações, marionetes nas mãos das organizações e no julgo do Estado que reprime e controla pela burocracia. Quem está certo? Quem está errado?
Pessoalmente acredito que meu lado alienado, me condena por participar desse estado de coisas, e todos os dias lutar de modo individual e egoísta para garantir a minha própria sobrevivência e dos que estão sob minha responsabilidade. Já meu lado estranhado, me condena por lutar de modo inconsistente por uma transformação da sociedade, como por exemplo, quando faço campanha pelo voto nulo nas eleições nacionais. Eu, alienado e estranhado, acho que ajo errado quando me manifesto em qualquer um dos personagens! Vivo todos os dias buscando o lado certo dessa berlinda, em que a opressão nos coloca e certamente nos fuzila de alguma forma.
Mas o personagem mais massacrado dentre esses três, é o terceiro que citei. O Alijado. Uma massa cada vez maior de pessoas, que por falta de condições de vender sua força de trabalho e de consumir o que se produz, é colocado a margem da sociedade, em uma posição que convencionou-se chamar “abaixo da linha de pobreza”. Populações inteiras em países subdesenvolvidos, jovens e adultos residentes fora dos eixos urbanos de consumo e produção, e outros milhares, vivendo nas metrópoles, que não reúnem condições dignas de alimentação, saúde e habitação. Esses sujeitos alijados, morrem oprimidos, sufocados, mesmo vivos, nas condições de miséria que lhes é imposta!
Porque me posicionei dessa forma, NÃO assistindo os jogos do Brasil na Copa do Mundo da Fifa? Porque uma angústia, ao pensar nas pessoas que estão próximas de mim, fazem manifestar-me assim! Meu lado estranhado, me diz que tenho que refletir sobre isso tudo, com meus filhos, meus alunos, todos os meus. Suo frio nesse momento, um vazio toma minha consciência, um inconsolável frio na barriga me diz, não se aliene! - Não posso calar, sentar em frente a TV, comer pipoca e tomar refrigerante (que é o que faço quando assisto futebol) e vibrar com esse evento da Fifa, uma organização econômica, que não está preocupada com nossa emoção, com a luta contra o racismo, ou contra a magia do futebol, e sim com seu exagerado lucro, em detrimento de tudo o que acontece ao redor do mundo! Minha paixão pelo futebol não sobrepõe minha responsabilidade coletiva e minha brasilidade é menor do que minha pretensa humanidade, nesse momento!

segunda-feira, junho 23, 2014

A força da Copa do Mundo sobre as manifestações populares no Brasil – Como as estruturas econômicas e o Estado servil a elas, emudece os movimentos populares.#abafaocaso

Em junho de 2013, a partir de um movimento social que lutava pelo passe livre ao transporte coletivo pelos estudantes, na cidade de São Paulo, emergiu no Brasil um dos maiores movimentos populares visto em toda a história do país.
As vésperas da Copa da Confederações, evento da Fifa que antecede (um ano antes) a Copa do mundo de futebol, a população brasileira, de forma uníssona, grandiosa, poderosa, e absolutamente consciente de todos os problemas políticos, estruturais, econômicos e sociais que o país vivia, se manifestou em massa contra esse estado de coisas, mostrando definitivamente a insatisfação que imperava na sociedade!
Vocês lembram disso? Você esteve nas ruas? Se enfileirou, mesmo que de casa, aos milhares de manifestantes em quase todos os municípios brasileiros? Se você lembra, se você participou, se você se posicionou a favor, sob meu ponto de vista, lamento dizer-lhe, você foi vítima, como eu fui, como todos fomos, do maior engodo social jamais visto na história brasileira, talvez até na história mundial. Mas porque aconteceu isso? Porque acho que isso foi uma enganação? Porque naquele momento não houve de fato um movimento popular?
Primeiro, quero me posicionar com relação aos acontecimentos da época.
Alguns grupos, ligados a movimentos sociais históricos do Brasil, em busca de chamar atenção às suas reinvindicações marcaram, pela internet, manifestações conjuntas com o MPL (Movimento pelo Passe Livre na cidade se São Paulo), e foram para as ruas. Movidos por um contraditório sentimento de insatisfação, a grande maioria da população brasileira, somente daqueles que se abrigam ou querem se abrigar na classe média, resolveu acompanhar tais movimentos, para também protestar. Havia na época uma forte pressão contra midiática, apontada para o governo constituído a nível federal, contra as instituições políticas e afetada por constantes escândalos financeiros e políticos, que indignavam qualquer cidadão.
Esse cidadão, especialmente marcado pelo padrão estereotipado de classe média, olhou pela janela de seu castelo de individualismo egoísta, elitizado e preconceituoso e, não se sabe por que razões (ainda hoje não se descobriu a pauta de reivindicação de qualquer uma das manifestações), resolveu ir as ruas. Lá nas manifestações, insuflado por um patriotismo míope, por grupos de interesses contrários ao “status quo”, e por uma formação política estéril e imaginária, gritou por um país melhor, com um governo melhor, por uma vida melhor. Tudo uma grande mentira!
Essa mentira se consolidou em menos de quarenta e cinco dias, quando essa grande massa retornou para suas casas, e voltou a preocupar-se com seus celulares, com seus grupos sociais na rede de computadores, e com o sonho interminável de “subir na vida”, a qualquer preço, sobre quaisquer condições, independente do que acontecia com o concidadão ao seu lado, independente de tudo, somente em função dele mesmo e de seus grupos sociais fechados, elitizados e preconceituosos.
Com o inicio da Copa das Confederações, a indústria de comunicação de massas, a qual já me referi aqui algumas vezes, a partir de poderosas redes de televisão constituídas no país, tratou de acalmar as massas, insuflou novos sentimentos na população em geral, ligados ao patriotismo, a vitória do escrete canarinho e a necessidade que tínhamos de mostrar uma imagem de pacifismo que caracteriza o povo brasileiro. As manifestações todas, de forma definitiva, foram abafadas, aniquiladas e agora no Brasil, só se manifestam os mesmos grupos sociais que já se manifestavam no país, há muito tempo, advindas de um processo histórico de resistência.
Pois bem. Com a Copa do Mundo no Brasil, com a aproximação do evento, desta vez, o estado político e econômico que constitui o poder nacional, tratou de cortar o mal pela raiz.
Desde o fim da Copa das Confederações, no ano passado, uma estrutura que associa governos, organizações econômicas, políticos e polícia, tratou de blindar todo e qualquer embrião que pudesse identificar uma manifestação popular significativa. O que temos no Brasil hoje, durante a Copa do Mundo da Fifa, são resíduos de movimentos populares, constituídos de jovens que acreditam na transformação social, mas não entendem bem como isso pode se dar, fora do mundo idealizado em que eles vivem.
Nesse momento, por uma questão de posicionamento pessoal, quero refletir sobre manifestações populares. O que são? O que provocam? O que está certo e o que está errado nelas? Tudo a partir do meu ponto de vista, e procurando esclarecer, porque minha posição sobre elas reforça minha decisão de NÃO assistir os jogos do Brasil durante a Copa do Mundo da Fifa!
Nesse sentido, quero esclarecer que manifestação popular é uma ação humana, individual ou coletiva, na defesa de um ponto de vista ou situação, ou contra um estado de coisas constituído, ao qual os manifestantes se posicionam desfavoráveis. As manifestações são portanto atos revolucionários, que se opõem de forma contrária as forma de como as coisas evoluem. Estas revoluções, são descritas por fatos, a partir de muitas revoluções, que já houveram na história do mundo, na sua grande maioria manifestas por atos e episódios que ao nosso ver imediato, podem ser consideradas ações de violência, barbárie, vandalismo!
Quem já ouviu falar atualmente que os manifestantes praticaram violência ou vandalismo? Quem já pode se manifestar contra o que está acontecendo nas ruas, promovidas pelo movimento #nãovaitercopa, em função da informação das barbáries que essas pessoas estão cometendo?
Será mesmo?
Em algum momento, você ouviu falar que a polícia vai ser inquirida sobre seus atos de repressão contra manifestantes, que estavam comprovadamente em comportamento pacífico, enquanto se manifestavam? Você por acaso imagina que leis estão sendo constituídas, com o único objetivo de tolher manifestações populares, ou pela burocracia de Estado, ou pela institucionalização da força contra os manifestantes?
Pessoalmente não sou favorável a violência do homem contra o homem! sou contra a guerra, sou contra os atentados a vida. Mas o que se esperar de manifestantes contra órgãos públicos que reprimem, contra organizações econômicas que tem uma interminável história de exploração para o lucro? Como a Fifa por exemplo! Como as organizações econômicas que patrocinam a Copa do Mundo do Brasil! Como o Estado e suas instituições!
De verdade? Você é favorável as formas como a Copa do Mundo foi encaminhada no Brasil? Como se usou o dinheiro público? Como os políticos tem usado o discurso a favor e contra a Copa pra se prevalecerem disso em suas campanhas políticas? De omissões contra a saúde, a educação, a segurança pública, a infraestrutura urbana, a vida em sociedade em geral, de forma justa e igualitária? Claro que você não é favorável a tudo isso, eu tenho certeza disso! Mas então, porque não está se manifestando junto com os jovens sonhadores dos movimentos sociais militantes?

Na minha forma de pensar, e repito, essa é a minha forma de pensar, a maioria dos brasileiros não está se manifestando porque não pode, não tem condições para isso, não tem força para entender tudo o que está acontecendo. Somos definitivamente cúmplices a essa condição socioeconômica que nos impõe, somos cativos ao mundo do trabalho e do consumo, e deles não temos condições racionais nem emocionais de nos livrarmos, porque sem nenhuma redução nos termos, somos prisioneiros sequestrados pela condição nos assola todos os dias em nossas vidas, tanto o Estado que nos reprime, como as organizações econômicas que nos aliena, pelo trabalho e pelo consumo a que estamos todos sujeitos de forma irreversível e impiedosa! E da qual esses pobres coitados jovens manifestantes, querem nos livrar!

Quanto vale a emoção? Copa do Mundo no Brasil, produto de compra e venda! #onegóciodosnegócios

Nesse momento, em que deve ter começado mais um jogo da Seleção Brasileira na Copa do Mundo no Brasil, quero refletir sobre cultura, e a partir dela expressar minha opinião sobre a atualidade e as circunstâncias em que vivemos. O Futebol é um dos elementos mais sacros da cultura brasileira, dele e por ele definiram-se muitos de nossos instrumentos e artefatos culturais. Musicas, arquitetura, artes plásticas, literatura, cinema, comportamento ... isso se consolidou de maneira tão efetiva que hoje faz parte de nossa tradição. Será mesmo?
Quando falo de tradição, me refiro a uma construção histórica que estabelece costumes que vem do passado e com essa marca são transmitidos e conservados. A nossa tradição futebolística se refere à bola de meia, às peladas na várzea, à folha seca, aos Manés e Pelés, que da humilde  e microscópica partida no “campinho” se projetavam direto para a emoção de cada um de nós.
Agora me pergunto, se investigarmos sobre esses termos que acabei de expor a um jovem de trinta anos ou menos, alguém acha que eles saberão o que é isso? Alguém acha que para a esmagadora maioria dos jovens, que são hoje apaixonados por futebol, essas expressões fazem algum sentido? Definitivamente não!
Essa cultura tradicional a que me referi, não existe mais, o que existe agora e que cada vez se consolida mais na estrutura cultural das pessoas em todo o mundo, é uma outra forma de cultura, a “cultura de massas”. Nela os termos referentes para o futebol são R9, CR9, NJR, Soccer, Fifa Championship, linha de quatro, Fifa Fair Play, e também “etecetera”! Todos esses termos foram colocados em um liquidificador e homogeneizados, depois disso entregues às mentes de todos nós, especialmente os que gostam e se emocionam com o futebol. E porque isso? Porque essa emoção que temos, nos sugere desejos e esses desejos nos serão fornecidos cada vez mais intensivamente, a custa de três acontecimentos extraordinariamente envolventes no mundo moderno: o consumo, o lucro e a alienação!
Para falar dessa transposição da “cultura tradicional” para “cultura de massa” preciso conduzir minha reflexão a uma viagem no tempo. Quando isso tudo começou? Porque começou? E quem começou?
Ha cerca de quatrocentos anos atrás extinguia-se uma forma de atendermos nossas necessidades e nascia outra. Houve uma mudança no modo de produção das coisas e alterou-se significativamente o valor que essas coisas tinham para quem as produzia e as consumia. No ocaso de uma cultura e no despertar de outra, saíamos da  “escuridão” do produzir para nós mesmos, para nossas próprias necessidades, a partir de nossas próprias sabedorias, onde as coisas tinham um único valor de uso, e nos projetávamos para a “luminescência” do produzir para outros consumirem, para atender o desejo de consumo de outras pessoas, a partir de sabedorias fragmentadas pela técnica, pela administração, pela especialização e pela divisão do trabalho. A cultura de massa condicionava os movimentos, e o valor das coisas era expresso pelo interesse, onde a troca de um produto por capital era o ponto determinante na produção de tudo.
Pois bem, chego novamente a Copa do Mundo no Brasil, e me refiro a um dos produtos mais eminentes para a acumulação de capital aos que o produzem. O FUTEBOL!
Milhares de milhões de dólares estão relacionados a produção e ao consumo desse produto. Milhões de pessoas estão inseridas  nessa díade econômica. Infinitas possibilidades de satisfação de desejos são orientadas aos produtos, que tem sua origem na emoção provocada pela prática deste esporte. Entre eles, os mais importantes são material esportivo, de modo direto e, automóveis, bebidas, alimentos, viagens, filmes, televisão, rádio, entre milhares de outros, de modo indireto.
Uma indústria espetacular se movimenta para que todos esses produtos sejam distribuídos e toda essa distribuição resulte em incontáveis somas de dinheiro. Muito capital se acumula em razão desse negócio gigantesco. A indústria da comunicação se articula das formas mais elaboradas e toda a máquina se volta para a construção de uma cultura de massa, que favoreça a elaboração desse fabuloso negócio!
Isso, de certa forma é uma componente que faz funcionar a sociedade de maneira geral, onde incontáveis estruturas sejam organizadas para movimentar essas engrenagens. Nessa ordem social, o mundo deixa de existir para as pessoas e passa a existir em função do capital gerado, e em função especialmente de um objetivo. O Lucro!
Isso parece bom, não é mesmo? Dado que tal lucro proporciona a todas as pessoas a possibilidade de comprar, de ostentar, de acumular, não é verdade? NÃO, NÃO é verdade!
Cada vez fica mais evidente que todo esse lucro é dividido de maneira desigual. Estudos recentes comprovam que a acumulação de capital se concentra em um número diminuto de pessoas, e toda a grande maioria apenas obtém recursos para uma sobrevivência restrita, baseada no consumo desenfreado de cada vez mais produtos e, na total devoção dessa esmagadora maioria da sociedade, ao trabalho, para obter esses produtos. E o que é mais aterrorizador, a medida que esse sistema se consolida, se percebe que outros milhões de pessoas ficam alijadas de um processo sanguinário de distribuição de renda.  Há no mundo todo atualmente cerca de dois bilhões e meio de pessoas que não participam desse organismo econômico, e por essa ausência de possibilidades, passam fome, morrem por conta dela!
Porque a maioria da sociedade aceita essa condição? A resposta está no terceiro elemento dessa tríade - consumo, lucro, alienação.
A alienação. Essa mesma indústria de comunicação que promove o consumo e favorece o lucro, impõe a cultura do trabalho, informando intensivamente que só se chega ao paraíso do capital, pelo esforço contínuo e pela via do trabalho. Dessa forma, o homem trabalhador se aliena de suas origens, de sua tradição, de sua cultura e de seu conhecimento, e se entrega ao mundo do trabalho vendendo a ele o único meio que possui naturalmente, a sua força para o trabalho. Ele estuda para o trabalho, se move para o trabalho, habita para o trabalho, ora pelo trabalho, se escraviza no trabalho, todo dia, todo ano, toda vida!
A Copa do Mundo no Brasil, nos mostra os personagens dessa realidade social, que interagem em confronto dialético interminável. De um lado as organizações econômicas, como a Fifa, e de outro todo o resto do povo, que trabalha para essas organizações. No meio desse convívio aparece o Estado, que com suas leis, suas estruturas e sua condição institucional, ambienta o mundo para as organizações, serve de maneira efetiva as organizações, posto que sem elas, não há possibilidade de existência dessa sociedade, que todos nós criamos e aceitamos nos últimos quatrocentos anos.
Lutar contra essa realidade é tão utópico quanto a batalha quixotesca da espada frente aos moinhos de vento, por isso a grande maioria de todos nós (me incluo nesse conjunto) luta sem pensar, luta sem resistência, luta totalmente alienado a qualquer outra possibilidade.
Como podemos continuar vivendo isso sem pensar nisso? Nesse momento, por minha iniciativa pessoal e íntima, da forma que encontrei, me manifesto.  Cumprindo um jejum que me impõe o sacrifício de abrir mão de algo que gosto muito, o futebol. NÃO assisto os jogos do Brasil na Copa do Mundo. Isso fará a diferença necessária para o mundo? Claro que não! Mas fará a diferença para mim! É a parte que me coube, e não estaria tranquilo sem cumpri-la!

quinta-feira, junho 12, 2014

Copa do Mundo – Uma decisão política #vaitercopa

Ha sete anos atrás a escolha da sede desta Copa do Mundo envolveu certamente uma decisão política.
Porque uma decisão política tem que ser fundamental em um evento meramente econômico? - A FIFA é uma organização econômica, suas ações, muito embora sejam de ordenação jurídica e institucional do futebol no mundo, estão antes de tudo voltadas para o lucro! - Os números que a envolvem são determinantes para garantir essa afirmação. O principal deles é a estimativa de ganho da FIFA na Copa do Mundo do Brasil – Algo superior a nove bilhões de dólares (US$ 9.000.000.000).
Então, trata-se de uma decisão política, não por causa dos lucros, mas também e acima de tudo, por causa dos custos.
Estádios, infraestrutura, segurança, hotelaria, feriados, legislação, enfim, uma série de envolvimentos que tem considerável custo devem ser empreendidos e não é a FIFA, que assume os custos do negócio que detém. Existem outras razões, além dos custos, que envolvem a decisão política, contudo não são elas que me levam a reflexão agora, por conta disso, não refletirei sobre elas.
A decisão política, no caso da Copa no Brasil, envolveu seguramente dois momentos distintos, o primeiro o da escolha e o segundo da seleção dos locais para que o evento seja realizado, pois são doze sedes espalhadas em todo o Brasil.
A decisão política para fazer a Copa foi tomada, especialmente pelo grupo político que representa o “status quo” no poder na atualidade, mas não foi assumida somente por eles. Pode se dizer com segurança que a classe política nacional toda assumiu a Copa de maneira uníssona. Mas porque? Se hoje muitos se manifestam contrários a realização do evento no Brasil? Isso não me parece difícil explicar, e está baseada em dois pontos principais, (1) na época da escolha havia uma comoção nacional em torno do desejo de sediar a Copa, praticamente todo cidadão brasileiro queria a Copa no Brasil (pessoalmente me lembro que queria), desta forma, e considerando a classe política nacional, qual o grupo político que teria coragem de se colocar contra esta proposta (quando falo em grupo político, me refiro a política partidária, aquela representada pelos partidos políticos)? (2) haviam interesses regionais por sediar a Copa em seus estados, portanto, todos os governadores, prefeitos e o restante das categorias de gestão executiva e legislativa estavam empenhados em apoiar a proposta de assumir o evento.
Pois bem, a escolha foi feita, com glamour, pompa e circunstância e estava decidido. A Copa de 2014 seria no Brasil. Desde lá, já se proclamou que o Brasil faria a “Copa das Copas”!
Acontece que a decisão política não é a única ação política para que o evento se efetive, depois disso ainda se envolve a política para viabilizar-se a Copa, tanto no aspecto institucional, passando pelas decisões econômicas e especialmente as administrativas.
Se não é a FIFA que gasta com a maioria do evento, alguém tem que gastar, e nesse momento, a política é fundamental, para regular os investimentos privados e especialmente autorizar os investimentos públicos. Dizem que os investimentos nos estádios foram todos privados (eu não acredito nisso), muito embora com o financiamento dos organismos financeiros do Estado (BNDES, por exemplo) envolvam a interação com o Estado. Além disso, há obras de infraestrutura de toda ordem, em aeroportos, estradas, espaços urbanos, segurança, decisões administrativas, e ai não tem jeito, tem de ser o Estado a investir e pagar. Algumas concessões com a iniciativa privada são possíveis, mas a grande maioria é sim responsabilidade do estado, é decisão política, e regulação dos políticos.
A decisão politica nesse sentido pode se justificar, porque um evento como este demanda obras que podem ficar para posteridade, na forma de “legados da Copa” e isso é bom para o país, para os estados, para os municípios. A Copa certamente deixará muitos legados, não tenho dúvidas.
Mas se tudo isso é verdade, porque me posiciono contrariamente desta forma, NÃO assistindo os jogos do Brasil na Copa?
A resposta está nas outras ações políticas, especialmente considerados dois aspectos relacionados com a existência da política: (a) administração pública e, (b) a burocracia política.
A desordem na gestão pública administrativa, em todos os níveis, nunca se revelou tão incidente como nos preparativos desta Copa. Obras atrasadas, decisões de responsabilidade desencontradas, obras não concluídas, obras apenas prometidas e sequer projetadas, discussões entre os gestores, falta de sintonia entre construtores e gestores, informações desencontradas, e um outro motivo muito incidente em todos esses anos, “etecetera”! Dentro do tal “etecetera” ficaram tantas e inumeráveis desordens, que precisaria de muito mais espaço para indica-las aqui.
A outra demanda política que me frustrou nessa Copa do Mundo foi a burocracia política, que institucionaliza, regula, assegura a realização da Copa. Estruturas de poder foram criadas e mobilizadas para servir aos interesses econômicos envolvidos nessa Copa. Leis foram criadas, outras deixaram de existir, espaços públicos foram destinados a uso exclusivo de empresas privadas. A FIFA por exemplo, tem o controle sobre o espaço urbano em volta dos estádios de futebol, mas não sobre as calçadas ou as ruas que ficam em frente aos estádios, e sim bairros inteiros, quadras e quadras além do espaço dos estádios atualmente são controladas pela Fifa, garantido esse controle pelo Estado! Alguns moradores a cinco quadras de estádios de futebol, somente podem acessar suas casas se estiverem cadastrados como permissionários da organização econômica. Há muitas outras questões burocráticas que também estão envolvidas pelo evento, mas pelo numero enorme delas e pelo absurdo que elas representam, também prefiro deixa-las no campo do “etecetera”!
Agora, se isso não manifestar indignação em mim, pelas “pataquadas” da gestão pública e pela máquina burocrática gigantesca que foi mobilizada pelo Estado. Eu sugiro que pensemos no montante gasto para que esse evento aconteça. Já ouvi, e acredito, em valores acima dos quinze bilhões de dólares (US$ 15.000.000.000).
A discussão de resistência e indignação vira uma brincadeira de mal gosto se lembrarmos de quem somos hoje como país. As deficiências na saúde pública, na infraestrutura urbana, na educação, na segurança pública, no respeito aos trabalhadores, na mobilidade urbana, na dignidade cidadã!
Essa é uma discussão muito mais ampla. Eu pessoalmente estou perdido nela, há duas eleições que não consigo mais votar, o máximo que faço é anular meu voto, e dizer aos que estão próximos de mim porque tenho feito isso.
Agora, há cerca de três horas atrás, quando vinha para casa, pensava na minha manifestação silenciosa e de omissão ao “escrete canarinho”. Lembrei-me do Ronaldo “fenômeno”, que certa vez disse que a Copa do Mundo não poderia ser confundida com os problemas do país. Será mesmo? Certamente não consigo pensar em uma coisa sem me deprimir com a outra. Ainda me lembro de ter ouvido o Neymar “Jr” dizer que eles, os jogadores, não seriam os responsáveis por tudo isso. Será mesmo? Hoje os vejo atendendo a seus patrocinadores e a FIFA, não ao seu país. Me desculpem os que pensam contrariamente, mas a nossa decisão política foi de fato errada, e se lá no início ainda poderia concordar com ela, tudo o que aconteceu de novo me fez agir assim.
A decisão política foi errada e encaminhada errada, mas tenham certeza os que me leem, muita gente vai se aproveitar politicamente delas no futuro, seja a Seleção Brasileira vencedora, ou no caso de uma fatalidade de derrota. Isso não me frustra, me enoja!
Agora são 19:09 h, não sei se o primeiro jogo terminou, não sei quanto está (já disse, não estou torcendo contra, só não estou torcendo), não sei no que isso vai dar, mas gostaria muito que nada disso estivesse acontecendo, não da forma como está!