Durante
todo esse mês, enquanto aconteciam os jogos da seleção brasileira na Copa do
Mundo da Fifa 2014, por uma manifestação pessoal, resolvi NÃO assistir os jogos do escrete canarinho. Essa manifestação
esteve baseada em uma forma individual de protestar contra o estado de coisas
posto na atualidade, mas também na possibilidade de refletir pessoalmente e na
interação com quem ler essas crônicas sobre uma série de realidades que compõe
e estruturam a sociedade em que vivemos.
Inicialmente,
sob meu ponto de vista, acredito que a Copa do Mundo da Fifa, reflete uma
condição maior de postura social. Atualmente vivemos por um objetivo
eminentemente econômico, que busca orientar a vida humana para o trabalho, como
ação prioritária em busca da acumulação de capital, em detrimento da
preocupação que se deve ter com a qualidade de vida, com a estruturação da
cultura popular, com a integração entre as pessoas e com a convivência possível
entre seres humanos e os demais elementos que compõe a biosfera.
Nessa
escolha em que todos fizemos, há uma clara distinção entre seres humanos em
classes sociais diametralmente opostas. De um lado um pequeno grupo de pessoas
que detém os meios de produção, que serão aplicados na produção de mercadorias
e sua disponibilização ao consumo, se apropriando indevidamente do excedente de
capital que esta distribuição acarretar; de outro, a grande massa social, que
incapaz de possuir meios de produção e pressionados pela necessidade de
sobrevivência, se enquadram no sistema socioeconômico, vendendo sua força
humana de trabalho e garantindo o consumo das mercadorias postas a venda. Essa
divisão cria cada vez mais dois grupos muito distintos em relação ao capital,
sendo que o primeiro, cada vez mais restrito acumula capital intensivamente, se
aproveitando das benesses desse efeito e reinvestindo o excedente em outros
mecanismos de produção industrial e serviços; e o segundo grupo, restrito de
condições econômicas, ou garantem sua sobrevivência da forma que lhes é
possível, ou sendo arrastados para o banimento das condições razoáveis de vida
humana, aumentando o contingente de excluídos deste sistema econômico voraz.
Nesse
formato, há um papel de mediação, cumprido pelo Estado, organizado por governos
em diversos níveis, municipal, estadual e federal, no caso de nosso país, que
apesar de ter surgido para atender o interesse da sociedade como um todo, acaba
se tornando organismo servil da minoria que detém o poder econômico. Os
governos e os políticos, são inicialmente escolhidos na grande maioria das
vezes pelo instrumento social do voto, onde todos os cidadãos tem o direito
constitucional de exercer seu poder de escolha, contudo, após assumirem seus
cargos públicos, pervertem o desejo popular de quem os escolheu e assumem um
papel na institucionalização, judicialização e proteção das organizações
econômicas, no sentido de garantir-lhes cada vez mais privilégios e caminho
livre para atingirem seus objetivos de lucro e acúmulo incessante e
progressivo.
Nesse
contexto de perversão da sociedade de todos para a sociedade de garantia às
organizações econômicas, há ainda um pesado esquema de produção de cultura de
massa, criando um ambiente que aliena as mentes humanas, produzindo nas pessoas
uma automação para o trabalho e para o consumo, em detrimento a sua ação social
coletiva, construída no amálgama formado pela cultura popular, pela integração
dos seres e pela interação com a natureza, que promova a vida em sociedade
ordenada pela busca da qualidade de vida e o uso adequado de recursos naturais.
Essa
escolha socioeconômica enfim, torna-se possível apenas no formato intensivo,
tanto na concentração humana, quanto na produção crescente de produtos, bens e
serviços, para o consumo que produz acúmulo de capital. Por isso as estruturas
são organizadas a partir da criação de grandes aglomerações humanas,
concentradas em espaços geopolíticos de fácil acesso pelos mecanismos de
distribuição e massificação humana, torneadas pela cultura de massa, que
determina a homogeneização das pessoas, de suas escolhas e seus costumes.
Vivemos em grandes tribos, pensando e desejando a mesma coisa, que a máquina de
produção das estruturas de organizações econômicas cria e que a indústria da
cultura de massa implanta em nosso inconsciente como produtos de nosso desejo.
A Fifa,
organizadora central da Copa do Mundo, é um exemplo desse tipo de organização
econômica, que como muitas outras, são núcleos vitais desse sistema. Comandam a
sociedade econômica, a partir de uma dominação formal e legal, possível a
partir da burocratização da vida em sociedade, e da limitação e opressão que os
governos servis impõe aos cidadãos. Somos todos nós, classe dominante e classe
dominada, estereótipos autômatos, criados por uma cultura de massa, onde uns
compõe uma elite, e todos os outros, servos do sistema econômico que sustenta e
provê os objetivos econômicos.
Na verdade
não poderia concluir essa reflexão com tom de apologia contra ideológica, sem
emitir uma posição pessoal sobre o que escrevo. Minha posição contrária está, e
esteve ao longo de minhas crônicas, muito clara. Esse império de alguns sobre
todos, instalados nas estruturas das organizações econômicas e defendidos pela
estrutura de um Estado servil e corrupto, potencializando a riqueza de um lado,
e a opressão e dizimação das possibilidades de vida igualitária da sociedade de
outro, não reúne condições de existência perene, sem que o caminho seja o caos
e a extinção da raça humana. Mas frente a essa realidade hostil, qual é a
solução?
É Evidente
que não vou escrever em algumas próximas laudas desta reflexão, onde no final
serão apresentadas soluções para esse dilema indissolúvel. Não tenho a mínima
capacidade intelectual que sinalize qualquer possibilidade nesse sentido. Aqui,
e no decorrer do texto, há uma posição de um cidadão, que organiza algumas
ações que podem estar orientadas para uma transformação, que mesmo que mínima
no contexto holístico da sociedade, são resultados de minha opinião pessoal na
transformação da sociedade.
Primeiro de
tudo, há uma necessidade eminente de reduzirmos o ritmo frenético de produção
de mercadorias, bens e serviços, que alimentam um esquema de consumo absurdo,
tanto pelo fato de que são muito maiores em volumes, daquilo que realmente
necessitamos, e ainda pelo fato de que, para sua viabilização produtiva, está
ocorrendo uma apropriação abusiva dos recursos naturais disponíveis.
O movimento
que tenho chamado, ao longo de minha atividade acadêmica, de “parem as máquinas”,
encaminha a organização econômica para isso. O consumo, orientado para
necessidades humanas baseadas no uso e não na troca, exige uma demanda muito
menos de produtos, bens e serviços, o que produziria de modo crescente uma
redução dos mecanismos de produção industrial e ação mercantil. Essa redução
instituiria uma nova demanda humana, menos intensiva e baseada em desejos
estéreis, criados por posição de status social e discriminação de uns em
detrimento de outros.
Quando me
refiro a uma parada nas máquinas, não estou dizendo que, de hoje para amanhã,
precisemos fechar todas as fábricas de automóveis, refrigerantes, calçados,
etecetera; ou intervir em todos os bancos privados, redes de televisão, e
federações internacionais de futebol, como a Fifa, ou outros esportes. O que
digo, é que será necessário uma sociedade que conduza o cidadão para usos e
costumes não econômicos e sim sociais. Os lucros das organizações econômicas
tem que existir, mas em grande parte e necessariamente, reverterem-se em ações que
promovam o fim da exploração humana para o trabalho, em investimentos sociais
que complementem a subsistências das massas que não tem possibilidade de
emprego e renda, em humanização dos espaços urbanos, hoje criados para prédios
e carros, em detrimento da natureza e das pessoas.
A cultura
de massa, que homogeneíza o pensamento humano, fazendo com que só um componente
cultural seja absorvido por uma grande massa de pessoas, precisa interromper
seu processo de crescimento. Essa cultura, produzida por organizações de
comunicação elitizadas, orientadas e comandadas apenas por um grupo seleto de
pessoas, precisa ser tomada por grupos mais diversos, mais amplos, mais
democraticamente constituídos. Os conhecimentos precisam ser aplicados em uma
base de referência ampliada, com uma gama de informações que considere várias
tendências, tipos de seres humanos mais diversos, homens, mulheres, orientações
sexuais diferentes dessas; raças diferentes da predominância branca; cidadãos
da periferia, das cidades, das colônias, das tribos, enfim, a cultura deve ser
constituída de tantos fragmentos, quanto tantas manifestações distintas sejam
produzidas.
Essa “nova
expressão cultural” tem um nome, e nos remete a algo que não é novo, e sim foi
reprimido pela cultura de massa. A cultura tradicional, que aplica
conhecimentos a partir de sabedorias antigas, passadas à sociedade geração após
geração, dos nossos avós a nossos pais, e dai para nosso domínio, é esse núcleo
cultural poderoso, capaz de reconstituir uma sociedade de homens e da natureza.
A cultura tradicional existe no seio de cada uma das comunidades, e a diferença
de uma comunidade para outra tem que ser preservada, sob pena de romper a
independência e legitimidade de povos que fazem escolhas para si e para seus
pares e desta forma romper a vida em sociedade como um todo, pois na há
igualdade, em ambientes que distingam uns, com poder, e outros, minorias
reprimidas. A cultura tradicional é a cultura da musica que queremos ouvir, da
roupa que queremos vestir, da comida que queremos digerir, e não de uma única
“coisa” criada apenas na premissa da produção e do consumo intensivo.
Outro
efeito indispensável para a pulverização do dilema que nos corrompe, é a
incondicional destituição dos aglomerados urbanos. Atualmente vivemos
empilhados em caixotes de concreto, em formigueiros humanos, em apinchados de
seres autômatos. Tribos condicionadas que pensam do mesmo modo, caminham para o
mesmo sentido, respiram o mesmo ar, cada vez menos privados de oxigênio e ar
saudável, cada vez mais orientados pela mesma flauta hipnotizante. O interior
dos territórios nacionais estão abandonados a sua própria sorte, porque esses
espaços geográficos estão longe da possibilidade de distribuição lucrativa de
produtos, ou são absorvidos pela produção intensiva de “commodities”, ou seja,
uma roça comum de produtos agrícolas que não são produzidos para que a
população seja alimentada, mas sim para criar contratos financeiros, e
exportadas para locais do planeta, que não tem a menos identificação com sua geração
natural. Esses espaços, mais organizadamente distribuídos, criarão populações
mais consistentes em sabedorias, bem estar e convivência saudável com suas
comunidades e com a natureza. As máquinas precisam parar também na produção
intensiva de alimentos, onde as safras são decididas primeiro nas bolsas de
valores espalhadas pelo mundo, e depois se determina quando serão consumidas e
quem fará isso, muito embora na maioria das vezes são produto de desperdício,
apodrecendo em estoques mundiais, enquanto milhões de cidadãos passam fome por
serem excluídos de sua existência.
Finalmente,
a lógica do Estado precisa mudar, os governos e governantes precisam mudar, a
política e as formas de gestão precisam mudar. A institucionalização de uma
democracia representativa foi produzida face as grandes aglomerações urbanas,
onde poucos tem que decidir por muitos. O Fim das aglomerações irá certamente
contribuir para uma forma mais direta de democracia, onde todos, o tempo todo,
podem tomar suas decisões de existência. Uma política de poucos políticos,
produziu ao longo da história, e produz nos dias de hoje, a existência de
sujeitos individualistas, que pensam exclusivamente em deter poder e dinheiro,
não se importando com decisões que sejam de atendimento amplo as comunidades.
Desta ação egoísta de nossos políticos, surgiu a corrupção, as barganhas, os
favorecimentos, a improbidade e a riqueza ilícita. O fim desses personagens
sinistros é uma necessidade eminente de uma nova sociedade, que pode pensar no
milagre da manutenção da vida e da natureza.
Nesse momento, creio que a Copa do Mundo da Fifa
tenha acabado para a seleção brasileira. Já sabemos que a derrota acachapante
que esses sujeitos, atletas operários da Fifa, sofreram. O que acho sinceramente,
é que os atletas campeões e os derrotados perdem. Os primeiros menos, pois tem
um resíduo de alegria, baseado nas migalhas da conquista histórica, que não é
nada perto dos volumes que a exploração sobre eles criou, e os outros ainda
pouco, pois sua derrota só será sentida por eles mesmos, e pela população que
os apoia. Essa tristeza e alegria estéril e superficial, é produto da cultura
de massa difundida pelas organizações econômicas como a Fifa, que cria esse
circo de ilusões, e sob suas lonas acumula as imensas vantagens econômicas que
esses pobres atores sociais produzem a elas. Esse tipo de sociedade tem de
acabar. Por isso escrevi tudo isso, ao longo desse mês que abrigou no tempo esse
evento de alguns lobos e milhões de carneirinhos!
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